18 de set. de 2009

A relevância da pregação

D. Martyn Lloyd-Jones afirma que a “mais urgente necessidade da Igreja Cristã da atualidade é a pregação autêntica; e, posto ser a maior e mais urgente necessidade da Igreja, é óbvio que também é a maior necessidade do mundo”.(1) Essa necessidade certamente não mudou com o passar dos anos.
Ao ler a Bíblia, constata-se que desde os primórdios do Antigo Testamento a pregação já ocupa a mais elevada posição de relevância. Esta relevância percorre toda a história da Igreja Cristã, marcando-a com a poderosa revelação de Deus através da Sua Palavra. Portanto, ao iniciar este capítulo, desejamos destacar tal relevância. Vale insistir que, a pregação para ser relevante precisa ter sua base nas Escrituras; o conteúdo da mensagem provém das Escrituras.

O que é pregação
Para melhor compreensão deste tema, é necessário definir os termos “Palavra” e “Pregação”. Assim, entender-se-á melhor o significado de pregação.

Significado teológico de Palavra
Não podemos iniciar uma pesquisa sobre a pregação, sem antes entender teologicamente, e com profundidade do termo “palavra”. J. Ramseyer afirme que,

O lugar ocupado pela “palavra” nas relações entre Deus e o mundo, entre Deus e o homem e entre os próprios homens, é tão importante que cobre todo o campo da revelação. A palavra não toca apenas a tal ou qual aspecto da obra de Deus, ela não exprime apenas seus elementos intelectualmente comunicáveis ou perceptíveis, mas ela é o modo essencial pelo qual Deus intervém no mundo: por sua Palavra Ele criou os céus e a terra (Gn 1), em sua Palavra Ele se revela nos homens (Jo 1), finalmente , pela proclamação de Sua Palavra se cumpre e se desenrola a história da Igreja (At 4.29,31). Não é preciso esperar, fora da Palavra, outro modo de revelação, mais intuito, por exemplo, mais imediatamente sensível. O próprio Espírito Santo nada criou de “novo”. Ele apenas iluminou a Palavra e tornou possível sua audição e proclamação (Jo 14.26).
[...] Toda a história da salvação, testemunha pelas Escrituras, é a Palavra dirigida por Deus ao mundo.(2)

No Antigo Testamento, a Palavra de Deus é usada para designar a comunicação divina provinda da parte de Deus aos homens, na forma de mandamento, profecia, advertência ou encorajamento. A Palavra de Deus reflete a personalidade divina, investida de autoridade, e deve ser ouvida e obedecida.
A Palavra de Deus é permanente(3), e uma vez proferida não pode deixar de ser cumprida(4).
No Novo Testamento, “palavra” é usada geralmente para designar a pregação da mensagem do evangelho. Para a igreja primitiva, a Palavra era uma mensagem revelada da parte de Deus em Cristo, que deveria ser pregada, ministrada e obedecida. Era a palavra da vida(5), da verdade(6), da salvação(7), da reconciliação(8) e da cruz(9).
No entanto, se deve entender por “palavra” algo muito mais elevado que o “logos” da filosofia grega. Allmen afirma que, enquanto para os filósofos alexandrinos o “logos” evocava uma razão, uma ordem não temporal na sucessão eterna das coisas, as Escrituras estabelecem a Palavra a um fenômeno histórico sem igual. A palavra não reconduz a uma realidade. Ela é a própria realidade. Ela é o verbo que se encarnou. Para Allmen,

O mérito da teologia reformada é haver redescoberto a importância incontestavelmente central da “Palavra de Deus”. Mas o risco que esta teologia corre é ser vítima de uma confusão de termos e assemelhar muito rapidamente o que ordinariamente se entende por “palavra” com o conceito bíblico muito mais amplo de Palavra. A pregação da Palavra não depende apenas do discurso, por mais dedicado que ele seja a transmitir fielmente o “pensamento” bíblico. A revelação antes de tudo é um fato e este fato inteiro é a Palavra. A Palavra de Deus é mais do que discurso de Deus, é ato de Deus, pois Deus age por Sua Palavra e fala por Suas ações.(10)

Deste modo, afirmar Anglada,

O conceito reformado de palavra de Deus é mais amplo do que aquele geralmente compreendido pela expressão. Ele inclui a palavra escrita: a Bíblia; a palavra encarnada: Cristo; a palavra simbolizada ou representada: os sacramentos do batismo e da ceia; e a palavra proclamada: a pregação. Na teologia reformada, portanto, a pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus.(11)

Significado teológico de Pregação
A pregação a algo essencial para o povo de Deus; sem ela o povo de Deus perecerá. Tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, encontra-se sua relevância. Segundo J. S. Baird,

[...] Nos dois testamentos, as palavras usadas para denotar a pregação possuem o elemento essencial de proclamar ou anunciar. O pregador é aquele que proclama a mensagem que foi recebida de Deus. Desse modo, numa das preleções na universidade de Yale sobre pregação, certo professor disse: “Todo pregador deve receber a sua comunicação diretamente da parte de Deus, e o propósito constante de sua vida deve ser recebê-la de modo inadulterado e entregá-la sem adição ou subtração”. Bonhoeffer refere-se a isso quando diz: “Ele coloca a Sua Palavra na nossa boca. Ele deseja que ela seja falada através de nós. Se impedirmos a Sua Palavra, o sangue do irmão que está em pecado estará sobre nós. Se cumprimos a Sua Palavra, Deus salvará o nosso irmão através de nós”.
Os primórdios da pregação encontram-se no AT. Ali, conforme alusão no NT, “Também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão” (Jd 14); e Noé é chamado “pregador de justiça” (2 Pe 2.5). As bênçãos de Isaque e de Jacó são exemplos do discurso formal, religioso, num estilo poético, o livro de Deuteronômio é uma série de sermões que repetem, expandem e reforçam boa parte da legislação de Moisés.
Desde os tempos de Samuel até os de Jeremias, aconteceu o grande período profético da história de Israel. Dentro desse período surgiram Samuel, Nata, Gade, Azarias, Elias, Eliseu, Joel, Miquéias, Micaías, Isaías, Jeremias, e outros. Esses “pregadores” vinham ao povo e aos reis com suas mensagens da parte de Deus. Suas mensagens freqüentemente começavam com a frase: “Assim diz o SENHOR”. Imploravam, advertiam, repreendiam, encorajavam, falavam de julgamento; inspiravam com promessas fulgurosas da glória do porvir. Os relances que possuíamos destes profetas revelam a grandeza do seu caráter, a força da sua influência e o valor permanente das suas mensagens.(12)

Portanto, pode-se entender por pregação como a exposição da Palavra de Deus, com o objetivo de guiar os homens ao conhecimento de Deus. Para o Dicionário Crítico de Teologia,

No sentido amplo, a tradição cristã entende por pregação toda atividade que visa, sob formas variadas, anunciar, proclamar a boa nova, o Evangelho. Pregação é então sinônimo de proclamação. [...] No sentido restrito, o termo pregação designa o discurso, reservado habitualmente aos ministros ordenados da Igreja, que propõe, no quadro do culto, uma interpretação atualizadora de uma passagem da Bíblia (pode-se então falar também de sermão, de predica ou de homilia). Na medida em que esta pregação faz jorrar para hoje a palavra de Deus que habita a Escritura, ela mesma é a Palavra de Deus.(13)

John Knox, escrevendo sobre a base da pregação, foi enfático, ao declarar:

A mensagem do Senhor precisa provir não de acontecimentos correntes, ou literatura em voga, ou de tendências prevalecentes de um tipo ou de outro, não de filósofos, políticos, poetas e nem mesmo, em último recurso, da própria experiência ou reflexão do pregador, mas sim das Escrituras.(14)

Assim, para ser relevante, a pregação tem de ser bíblica. “Assim diz o Senhor” é basilar a toda pregação. Charles Haddon Spurgeon afirma que o ministro com sua Bíblia é como Davi com sua pedra e funda, plenamente equipado para pelejar.
É por isso que as melhores definições sobre a pregação apontam para o valor da centralidade da Bíblia na prédica e realçam o lugar da Palavra de Deus. John Stott afirma que pregação “é falar de Deus que torna necessária a nossa fala. Devemos transmitir aquilo que ele tem falado. Daí a obrigação suprema de pregar”.(15) Para Phillips Brooks, “a pregação é a comunicação da verdade através da personalidade”.(16) Para o Bispo Manning a pregação é “a manifestação da Palavra Encarnada na palavra escrita, através da palavra falada”.(17) Martyn Lloyd-Jones, por exemplo, afirma que a pregação “é teologia em chamas. [...] Pregação é quando a teologia extravasa de um homem que está em chamas”.(18) Charles Koller assevera que, “pregação é o processo único pelo qual Deus, mediante seu mensageiro escolhido, se introduz na família humana e coloca pessoas perante si, face a face”.(19) John Piper diz que “pregar é anunciar as boas novas através de um mensageiro mandado por Deus [...]. O alvo da pregação é a glória de Deus refletida na submissão prazerosa de sua criação”.(20)
***
(1)LLOYD-JONES, Martin. Pregação e pregadores. 6ª Ed. São Paulo: FIEL, 2003. p. 7.
(2)ALLMEN, J. J. Y. Vocabulário Bíblico. 2ª Ed. Trad. de D. G. V. D. Santos. São Paulo: ASTE, 1972. p. 309.
(3)Cf. Is 40.8
(4)Cf. Is 55.11
(5)Cf. Fp 2.16
(6)Cf. Ef. 1.13
(7)Cf. At. 13.26
(8)Cf. 2 Co 5.19
(9)Cf. 1 Co 1.18
(10)ALLMEN, J. J. Y. Vocabulário Bíblico, p. 310.
(11)ANGLADA, Paulo. Introdução à pregação reformada: uma investigação histórica sobre o modelo bíblico-reformado de pregação. Ananindeua-PA: Knox, 2005. p. 60.
(12)ELWELL, Walter A. (Ed). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. Vol. III. Trad. de Gosdon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1990. p. 172.
(13)DICIONÁRIO CRÍTICO DE TEOLOGIA. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004. p. 1424.
(14)KNOX, John. A integridade da pregação. Trad. de Flávia Brazil Esteves São Paulo: ASTE, 1964. p. 11.
(15)STOTT, John. Eu creio na pregação. Trad. de Gordon Chown. São Paulo: Vida, 2003. p. 16.
(16)ELWELL, Walter A. (Ed). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. Vol. III, p. 171.
(17)ELWELL, Walter A. (Ed). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. Vol. III, p. 171.
(18)LLOYD-JONES, Martin. Pregação e pregadores, pp. 70-71.
(19)KOLLER, Charles W. Pregação expositiva sem anotações. São Paulo: Mundo Cristão, 1984. p. 9.
(20)PIPER, John. A supremacia de Deus na pregação. Trad. de Augustus Nicodemos. São Paulo: Shedd Publicações, 2003. p. 27.

Ricardo Luiz de Moraes

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